Sucesso em ‘Verdades secretas’, Grazi Massafera se consagra como atriz e decreta: ‘A gente não pode subestimar as pessoas’
Tem sido assim: quanto mais profundo o mergulho de Larissa no abissal mundo das drogas e da prostituição, mais se eleva o conceito de Grazi Massafera junto aos telespectadores de “Verdades secretas”. Longe, no entanto, de aplaudir a degradação humana através da personagem, o público anda admirado mesmo é com a interpretação da paranaense, que, há dez anos, surgia linda e carismática na quinta edição do “Big Brother Brasil”. De vice-campeã do reality show, a ex-miss passou a integrar o elenco da teledramaturgia da Globo e, desde “Páginas da vida” (2006), seu primeiro trabalho em novelas, colecionou uma série de mocinhas. Foram quatro delas e duas quase vilãs, sem maiores repercussões, até o grande papel: a modelo fracassada e entregue ao vício, que lhe subtraiu a beleza em cena e enfatizou o talento.
— Vivo uma virada da maturidade. Nesses anos todos, experimentei, me testei, galguei degraus, me joguei. Fui muito criticada, mas muita coisa bacana aconteceu também. Não vim de uma escola de teatro, evoluí aos olhos do público. Sinto como se as pessoas que votaram a meu favor no “BBB” estivessem me acompanhando e acarinhando até hoje — diz Grazi, de 33 anos, sublinhando a importância das heroínas em sua trajetória: — Num país onde as pessoas valorizam a vilania, o vandalismo e o escracho, é muito difícil fazer o politicamente correto. A tendência sempre é ser considerada a chata da história. As mocinhas foram uma escola para mim, valorizo cada uma.
Em seus primeiros passos como atriz, além das alfinetadas do público e da crítica, Grazi esbarrou em outro obstáculo: a hostilidade de alguns atores veteranos.
— Quando ela me contou isso, fiquei espantadíssima. Sou contra todo e qualquer preconceito. Tem uma frase que expressa bem o que penso: não importa de onde a pessoa vem, e sim como ela se estabelece na profissão. Não interessa o que Grazi era antes, se não veio do teatro... Ela estudou, se dedicou e cresceu. O resultado é essa bela atriz que vemos em cena, completamente entregue — elogia Marieta Severo, a Fanny de “Verdades secretas”, recordando: — Giane (Reynaldo Gianecchini, o Anthony da trama) era modelo e fez o primeiro trabalho dele comigo em “Laços de família” (2000). A gente chegou a repetir uma mesma cena 34 vezes! Ele mesmo assume que não sabia nada na época, e eu nunca tive um momento sequer de irritação com ele.
Para tais desconfortos com que se deparou, o tempo surgiu como o melhor remédio para Grazi:
— A gente não pode subestimar as pessoas. Se existe um desejo real na sua vida, se você quer muito e se dedica, não tem como não conseguir. Valorizo cada suor do meu trabalho. Nunca nada foi fácil para mim. Sou orgulhosa. Considero isso um defeito e uma qualidade minha.
E se a beleza é mais um de seus pontos fortes, por que tomá-la como uma pedra no caminho?
— Existem mulheres muito mais bonitas do que eu por aí, na TV... Nunca quis provar a ninguém que eu podia mais do que isso (ser bonita). Para quê? São expectativas em cima de expectativas, nunca têm fim. Gosto de superar a mim mesma, de me botar desafios e metas. Isso me dá força, autoestima. As derrotas são tão necessárias quanto as vitórias.
Agora, dos veteranos aos jovens, os colegas de trabalho vêm aplaudindo a performance da atriz.
— É fascinante atuar com ela. Contracenando, às vezes me pego assistindo a seu show — diz Flávio Tolezani, o Roy da trama das 11.
Larissa surgiu, segundo Grazi, num momento de reflexão sobre a profissão escolhida. As adversidades já citadas, ela garante, não foram o ponto de partida de suas dúvidas.
— Passei por questionamentos internos mesmo. Pensei em desistir de ser atriz, estava adorando trabalhar como apresentadora (do “Superbonita”, no GNT), mas hoje sei que quero e posso levar as duas carreiras paralelamente — conta a loura, que recusou o convite para integrar a equipe do “Video show” no fim do ano passado e seguiu para a Espanha para aprimorar seus conhecimentos num curso do renomado coach argentino Juan Carlos Corazza: — Foi algo visceral, libertador!
De lá, voltou uma mulher transformada, aberta a desafios. E assim chegou o convite para o teste como Larissa.
— De cara, eu amarelei. Pedi para adiar para o dia seguinte, e para depois, enquanto outras atrizes eram testadas. Até que chegou o último dia, e era tudo ou nada. Foi tudo — comemora ela, contando que, nesses pouco mais de três meses, cada dia de gravação era um desafio ainda maior: — Diariamente, eu duvidava: “Hoje não vou conseguir...”.
Quando soube o nome da escolhida para o papel polêmico, Walcyr Carrasco, autor da história, surpreendeu-se:
— Não imaginava que uma mulher tão bonita quanto Grazi estivesse interessada em se desconstruir e se arriscar, já tendo uma carreira consolidada como heroína. Mas, ao ver seu teste para o papel, tive a certeza de que era ela, mais ninguém. Queria uma atriz que se atirasse. Acho que Grazi está se tornando uma das grandes atrizes de sua geração. Ter coragem para provocar essa ruptura e viver esse papel é a prova disso.
“Coragem” é justamente a palavra que Grazi gosta de usar quando analisa a quebra de tabus — internos, principalmente — na pele de Larissa. Nas visitas a uma casa de prostituição e à cracolândia real, em São Paulo, ela se redescobriu.
— Meu maior impacto foi com meu próprio preconceito. Meu discurso sempre foi o de não tê-lo: “Não vejo a hora de conhecer um puteiro...”. Mas, quando eu cheguei lá, não foi legal o que senti. Nos primeiros 15 minutos, precisei repensar, virar uma chavinha para não julgar aquelas mulheres. Acho bom eu expor, porque não me culpei de ter sentido isso. Só digeri e organizei as coisas, e essa abertura me trouxe mais humanidade. As prostitutas também ficaram impactadas com a minha presença ali, é claro. Percebi que todas elas também interpretam uma personagem. Fiquei por lá umas cinco horas, até começarem a transparecer quem realmente eram e como trabalhavam — detalha Grazi, lembrando de sua perplexidade ao se deparar com o submundo das drogas: — Geralmente relacionam o usuário à ilegalidade. Mas tem quem esteja ali só por infelicidade da vida. Essa minha visita foi chocante. Ficou a tristeza, a dor dos olhares pedindo ajuda, a desesperança, a desilusão, a degradação humana... Vou carregar essa experiência comigo para sempre. E, quando minha filha tiver um entendimento melhor do mundo, quero levá-la a um lugar assim. Você sai de lá diferente, querendo ajudar.
Fruto do casamento (desfeito há dois anos) de Grazi com o ator Cauã Reymond, de 35 anos, Sofia tem só 3 aninhos, “o bom humor, a vaidade, os olhos verdes e grandes, além do jeito de mandona, tudo que puxou de mim”, enumera a atriz. Esperta, a pequena já percebeu que a mãe chama atenção por onde passa, principalmente dos paparazzi.
— Sossô me alerta: “Estão tirando foto, mamãe”. Ela nunca reclamou, mas tento protegê-la ao máximo dessa exposição. Fui eu que escolhi essa vida, não ela — explica Grazi, que se diz caseira e, também por conta da dedicação intensa ao trabalho nos últimos meses, afirma não ter tido tempo para namorar: — Esse não é o meu foco agora. Estou num momento de renovação. É até bom para uma próxima relação.
O último romance que lhe atribuíram, com um designer, ela garante não passar de invenção:
— Eu não o conheço! Esse é o lado chato. A vida desse rapaz deve ter virado um inferno com isso. Quando eu estiver namorando, não vou esconder. Isso é saudável, é vida! Mas só vou dizer quando realmente for verdade.Mesmo com um fim conturbado e exposto, do relacionamento com Cauã ficou a amizade e a admiração:
— A gente tem uma convivência supertranquila, mesmo porque é uma parceria criar filho. Agora é ele quem está com o desafio do mocinho, em “A regra do jogo”. Mas Cauã tem todo um leque de emoções, é muito bom ator...
As derradeiras cenas de Larissa foram gravadas no fim de semana passado. Tudo leva a crer que nos últimos capítulos, que vão ao ar essa semana, a personagem se reerga com o apoio de um missionário evangelizador.
— A pessoa tem que querer muito, mas a religião é, sim, um caminho de salvação — acredita Grazi, que é adepta da filosofia japonesa Mahikari e durante a novela intensificou seus rituais de purificação em casa: — Primeiro, tomava banho de sal grosso. Aí, descobri que a alfazema é o aroma dos anjos e borrifei na casa inteira. Usei incenso, velas cheirosas, arruda, banho de rosas, oração... Eu me livrava facilmente da energia ruim. E Sofia é luz na minha vida!
Por Larissa, Grazi colocou cigarro na boca pela primeira vez na vida:
— Tive que aprender a tragar, e me fez mal. Ficava enjoada, vomitava. Cheguei a fumar um maço inteiro numa gravação. Mas sabia que era um sacrifício por tempo determinado. Para me desintoxicar, tomava muita água e fazia chás e sucos verdes. Minha casa era praticamente uma clínica de reabilitação.
A nudez — antigo tabu para a moça que tapava com a mão cada beijo na boca dado no mineiro Alan no “BBB 5” e que pediu uma equipe inteiramente feminina para as fotos na “Playboy”, em 2005 — também não foi problema para Grazi em “Verdades secretas”. Ela encarou o desafio de viver uma garota de programa de peito aberto. Literalmente.
— Nada foi gratuito. Essa história tinha que ser contada assim. Tem como fazer uma prostituta no horário das 11 sem ficar nua? Se eu me negasse a fazer, Larissa não teria a força nem a profundidade necessárias — explica.
Todas as cenas mais pesadas passaram longe dos olhos da costureira Cleusa, de 54 anos, e do pedreiro Gilmar, de 56, pais de Grazi.
— Tive receio que eles se impressionassem, avisei com antecedência. Nosso país é machista, minha família também, fui criada assim. É um passinho de cada vez — ressalta.
Dona Cleusa reitera:
— Nas cenas mais picantes, eu desligo a TV, dou um tempinho. Eu me incomodo. Tenho muito respeito por minha filha, nem banho junto a gente tomava. Sei que é um trabalho, mas coração de mãe é diferente.
Ao despedir-se da personagem, Grazi retomou as pazes com o espelho: sobrancelhas e unhas feitas, cabelo hidratado.
— Sou vaidosa, gosto de me arrumar. Mas deixei de tomar sol, de malhar (ela perdeu 3kg só de massa muscular), de me depilar... Fui corajosa para aceitar Larissa. A personagem tem um apelo social, e isso me deixou apaixonada. Pouco liguei de ficar feia — afirma Grazi, que usava muito talco no cabelo para deixá-lo com aspecto de sujo, além de maquiagem escura por baixo das unhas e na pele: — Após as gravações, era pelo menos duas horas debaixo do chuveiro (exagera) para voltar a ser eu.
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