RENATO ROCHA MIRANDA/TV GLOBO
JANAÍNA NUNES
Em sua primeira semana no ar, Totalmente Demais tocou em um assunto delicado, tabu na TV, e que voltará a permear a trama em muitos capítulos: o assédio sexual contra adolescentes. Na nova novela das sete da Globo, a protagonista Eliza (Marina Ruy Barbosa) é assediada pelo padrasto, foge de casa e tenta, em vão, convencer a mãe fazer o mesmo e denunciá-lo à polícia. "É desesperador. Ela percebe os olhares, não faz nada e ainda fica com ele", diz Leona Cavalli, que interpreta Gilda, a mãe de Eliza.
Leona, 46 anos, conta que muito antes de começar a gravar recebeu da produção uma pesquisa que a deixou assustada: 40% dos casos de assédio sexual ocorrem em âmbito familiar. "Infelizmente, é muito comum. Veja o caso Gilda: ela tem dois filhos pequenos com o Dino [Paulo Rocha] e uma mais velha de outro relacionamento. A família tem uma vida difícil e ela o ama. Até desconfia de suas intenções com Eliza, mas não quer destruir sua família. É chocante e real", afirma.
Para a intérprete, a questão seria relativamente fácil de resolver. "Eu o largaria e o denunciaria, claro! O problema é que não é tão simples assim. Há o medo, a dependência emocional e financeira. Uma série de fatores. É uma triste realidade, por isso temos abordar o assunto assédio cada vez mais. Daí a importância do movimento ter surgido, o que houve com aquela menina do [MasterChef Júnior] foi um absurdo, um horror", diz.
Leona se refere a um episódio ocorrido logo na estreia de MasterChef Junior, reality show culinário da Band. Comentários de teor sexual foram publicados nas redes sociais envolvendo uma participante de apenas 12 anos. No dia seguinte, antes mesmo de a polícia ser acionada, surgiu o movimento #PrimeiroAssédio, capitaneado pela ONG Think Olga. E as pessoas começaram relatar casos de assédio sofridos no passado.
A mãe da integrante do MasterChef Junior elogia e apoia a atitude da ONG. No entanto, não gosta de sua filha ter virado referência. Ela ainda não viu a novela. "Não fico feliz por ter virado referência de algo tão triste, grave e tão mal cuidado pela nossa sociedade. Há muita ignorância em torno desse tema. Mas reconheço que a repercussão do caso colocou holofotes sobre um assunto que há tempos vinha pedindo para ser discutido e não encontrava espaço. A sociedade foi obrigada a ouvir, a se posicionar. É isso que está abrindo a possibilidade para a mudança", afirma ela (oNotícias da TV não revelará seu nome para proteger a identidade da menina).
REPRODUÇÃO/TV GLOBO
Coincidência
Leona Cavalli faz questão de frisar que a abordagem do assunto no folhetim não teve nada a ver com o episódio de MasterChef. "A novela foi pensada há dois anos. Começamos a gravar em junho, ficamos dois meses ali naquele local [estrada da Cachoeira de Macacu, interior do Rio]. Aquela casa existe, uma família reside ali. Fomos sentir o clima. Então, a TV está tendo um cuidado que o cinema tem há muito tempo, que é o de passar a verdade. Histórias como a de Gilda existem várias. Novela é ficção, mas se inspira, geralmente, em fatos reais", conta.
Na trama, Gilda não viu o tarado de seu marido atacar sua filha. Só viu que Eliza o feriu. "O problema é que ela tem uma dependência emocional e financeira do marido. Gilda é frágil e forte ao mesmo tempo. Deve conseguir largar aquele homem e ir viver com os filhos logo", adianta.
Na opinião de Leona, o assédio está sendo abordado de uma forma delicada e com a profundidade na medida certa pela novela, pois o horário das sete é mais leve.
"Tudo tem de ser passado com delicadeza. A trama não mostra nada. Apenas no olhar dos personagens a gente já entende tudo. Há uma tensão no ar. Imagino que ao ver a cena muitas pessoas comecem a refletir sobre esses casos e espero que passem a denunciar. Aliás, a novela serve de espelho, As pessoas precisam saber. Precisam contar e lutar contra isso", afirma.
A atriz está acostumada com personagens fortes na TV e no teatro. Somente nos seus últimos trabalhos fez a médica Glauce, comparsa do vilão Felix em Amor à Vida (2013), e a prostituta Zarolha do remake de Gabriela (2012).
Atualmente, ela está em cartaz com Frida, no teatro Raul Cortez em São Paulo. "Ela lutava pelos direitos da mulher muito antes de se falar em feminismo. Já Gilda retrata uma realidade que tem de ser combatida", completa.