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Letícia Spiller: "Eu lido bem com a passagem dos anos "

POR BRUNO SEGADILHA
Letícia Spiller (Foto: Divulgação/TV Globo)

Uma ex-prostituta arrependida, três primas frustradas e um intenso jogo de culpa, inveja e pecados. Era a partir desse universo que Nelson Rodrigues (1912-1980) construía o texto de Doroteia, um dos espetáculos mais importantes de sua carreira. A peça ganha nova montagem a partir do dia 20, no Teatro Tom Jobim, no Rio. Letícia Spiller dá vida à personagem-título, mulher que decide ir morar com as primas e largar a vida das ruas depois da morte de seu bebê. Decidida a se redimir, ela deixa a vaidade de lado para conviver com as parentes infelizes. Rosamaria Murtinho interpreta Dona Flávia, uma mulher frustrada que faz de tudo para destruir a prima. “Existe todo um paralelo com a nossa sociedade, com a falsa moral”, diz Letícia. Aos 42 anos, a atriz conta que, assim como sua personagem, não elege a beleza como algo primordial. “Acho que o mais importante é ter saúde. Eu lido bem com a passagem dos anos e espero ficar bem quando a velhice chegar”, afirma.
QUEM:  Como se envolveu no projeto?
LETÍCIA SPILLER: 
A Rosamaria Murtinho e o diretor Jorge Farjalla me convidaram. Conheço a Rosa desde que eu era muito nova, quando comecei como atriz em Despedida de Solteiro (1992). O Mauro Mendonça, marido dela, fazia a novela e os dois me apadrinharam. Nós todos sempre estivemos ligados desde então. É um projeto cheio de coisas especiais, datas simbólicas. A Rosa está comemorando 60 anos de carreira com essa peça. Além disso, estou quase no meio do caminho em relação à idade dela: estou com 42 anos e ela, com 83.
QUEM:  Já tinha feito Nelson antes?
LS: 
Nunca. Tive contato com um documentário sobre o Abdias Nascimento, ator que foi impedido de encenar a peça Anjo Negro no passado. Naquela época não era permitido, era uma coisa maluca (a censura impediu que o ator vivesse o protagonista Ismael na estreia do espetáculo, em 1948). O filme reúne cenas do espetáculo e eu tinha gostado muito da dramaturgia dele.
QUEM:  O que a personagem Doroteia representa para você?
LS: 
Ela é uma ex-prostituta que quer se regenerar. Ela se culpa pela perda do filho, ainda bebê. Como autopunição, resolve bater à porta da única família que restou para ela no mundo. Doroteia representa a dualidade e o amor. Ela é doce, amorosa,  um furacão que vem para movimentar uma casa estagnada, onde vivem três primas apáticas e paradas. Existe todo um paralelo com a nossa sociedade, com a falsa moral. Tem muita coisa nessa peça: de fora ela não parece tão complexa. A história se passa no Rio, mas poderia acontecer em qualquer lugar.
QUEM:  Você falou em estagnação, mas sempre foi uma atriz dedicada e fez coisas diferentes. A estagnação é um medo?
LS: 
Não que eu tenha medo, mas não me imagino assim, parada. Espero estar como a Rosamaria Murtinho, a Nicette Bruno, a Fernanda Montenegro. Para mim, elas são exemplo. A Rosa poderia estar, aos 83 anos, sentada em uma cadeira de balanço. Mas, não: está sempre atrás de coisas novas.
QUEM:  Doroteia deixa a vaidade de lado para poder viver na casa das primas. A beleza é importante para você?
LS:
 Ela aceita as chagas de um leproso que vive no porão da casa das primas. É uma transformação não tão física, mas teatral, simbólica. Acho que a gente tem que aceitar as etapas da vida. Graças a Deus, estou bem. Tenho uma alimentação saudável, me cuido para aproveitar bem a vida. Acho que o mais importante é ter saúde. Eu lido bem com a passagem dos anos e espero ficar bem quando a velhice chegar. A idade não é uma questão para mim.
QUEM:  Nelson Rodrigues mostrava muito bem o moralismo da sociedade nas décadas de 40 e 50. Ainda vivemos esse moralismo?
LS: 
Sim. E é velado. As pessoas falam que não têm preconceito, mas têm.  A nossa sociedade me choca, às vezes, em termos de preconceito. Principalmente a homofobia. Não compreendo. Não faz parte do código do meu cérebro nem do meu coração. Acho um horror! Preconceito me tira do sério.
fonte:http://revistaquem.globo.com

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