Eduardo Moscovis revela que vai morrer em ‘A regra do jogo’ e fala de insegurança com vilão: ‘Não me excita essa história de matar pessoas’
Manuela chegou numa charmosa lambreta conduzida pelo pai, com quem, momentos antes, havia estudado Ciências. Longe dos olhos dele, e em dia com a ginástica olímpica, deu uma estrela caprichada, antes de observá-lo diante da câmera do fotógrafo e ouvir com atenção suas explicações sobre o que acontecia. Uma hora depois, os grandes olhos azuis da filha de Eduardo Moscovis estavam entregues à monotonia. “Estou me sentindo péssimo, meu público principal está dormindo”, brinca o ator, que, há nove anos longe das novelas, volta como o grande vilão de “A regra do jogo”. A criança logo tratou de se aninhar em seu colo, silenciosa, indicando que a entrevista precisava terminar. A breve tarde com Moscovis refletiu a imagem que eventualmente ele faz de si: um malabarista — aos 47 anos, já distante da tenra infância de Manu, de 8 — , esforçado em manter as claves da vida funcionando com ritmo, sem deixar nenhuma cair. Os quatro filhos, o casamento com a nutricionista Cynthia Howlett e, agora, a nova trama das nove, que estreia amanhã.
Estou reaprendendo. Não posso dizer que vou gravar tranquilo.Eduardo Moscovis
— Estou reaprendendo. Não posso dizer que vou gravar tranquilo. Vou concentrado, preocupado. Não tenho ideia de como vai ser, mas estou feliz com o que fiz ontem, na semana passada... Estou satisfeito na insegurança (risos). E isso é ótimo. Não sei fazer. Não tem nada preconcebido — admite o intérprete do mau-caráter Orlando.
Foram a assinatura marcante de João Emanuel Carneiro e a direção de Amora Mautner que o trouxeram de volta, ele confirma. Du, como é chamado, fez teste para interpretar Romero Rômulo, mas foi escolhido para viver um homicida frio e incansável na busca de poder. Se o protagonista — papel que coube a Alexandre Nero — oscila entre o bem e o mal, debruçando-se na ácida dúvida sobre qual caminho seguir, Orlando surge confortavelmente imerso nas sombras. Ele não tem perspectiva de redenção, embora use habilmente a máscara de homem polido para despistar suspeitas.
— Muitos atores dizem preferir fazer vilões, mas estou processando esse cara ainda. Não é um lugar que eu curta. Pessoalmente, não me excita essa história de matar pessoas. Lidar com isso, mexer em arma de fogo, tudo é novidade para mim — avisa Moscovis, cujo personagem assassina dois homens já nas primeiras duas semanas da trama.
Não me excita essa história de matar pessoas. Lidar com isso, mexer em arma de fogo, tudo é novidade para mimEduardo Moscovis
O fato de ter sido preterido na disputa pelo papel principal não causa incômodo algum. A despeito da rivalidade construída na ficção, onde Orlando e Romero se enfrentam, Moscovis elogia o colega de cena: “Além do talento, Nero tem a manha. Está muito bem defendido”. Com menos cenas e textos para decorar do que o protagonista, o ator acredita que o retorno às novelas será melhor aproveitado. Além disso, o bandido vai cumprir a sina dos seus últimos dois trabalhos em folhetins: em “Senhora do destino” (2004), Reginaldo morre atingido por uma pedra na cabeça. Suas últimas palavras antes do silêncio total são: “É a guerra”. Mocinho de “Alma gêmea” (2005), trama de cunho espírita, Rafael leva um tiro no peito. O desfecho trágico, ele revela, vai se manter em “A regra do jogo”.
— Para o tempo que estou sem fazer novela, acho que é prudente. E, psicologicamente, é bom saber que não fico até o fim — pondera, sem conhecer, no entanto, os caminhos que conduzirão o vilão para o pior destino.
Se a morte é certa, os desdobramentos da vida registrada nos capítulos parecem oportunamente embaçados. Uma descrição dos personagens, feitas pelo autor — quando a trama ainda era chamada de “Favela chic” —, indicava que o inescrupuloso sujeito, gay enrustido, manteria um caso com um jovem, segredo capaz de turvar o céu de vaidades habitado pelo cientista. Moscovis, porém, afirma desconhecer esse aspecto do papel, mas endossa que a informação, se confirmada, não prejudicará o desenho traçado até aqui.
— Não interfere tanto porque é um cara de difícil leitura, ninguém sabe muito sobre a vida dele, a intimidade, o que é capaz de fazer. Seria compatível e tranquilo para mim. Mas, como elemento de construção, isso não me foi passado — reforça o ator, que opina sobre a onda do politicamente correto e a rejeição ao beijo do casal lésbico em “Babilônia”: — A gente vive um mundo de patrulha e de acusações, e as pessoas não olham para si. É chato. Quem faz o julgamento vira o dono da verdade. E não existem tantas verdades assim.
Durante a festa de lançamento de “A regra do jogo”, realizada na quinta-feira, João Emanuel Carneiro preferiu sair pela tangente quando perguntado sobre a sexualidade do vilão:
Isso (Orlando ser gay) não é relevante para a história. Ele é um pervertido, um desvianteJoão Emanuel Carneiro
— Isso não é relevante para a história. Orlando pode até ser... Ou não. Mas ele é um pervertido, um desviante, e vai ser várias coisas ao longo da novela. Ele é um lobo num galinheiro e entra numa família (a do Gibson, papel de José de Abreu) para pervertê-la .
Diante de uma personalidade tão conturbada e obscura, em quais termos criador e criatura se encontram?
— Existe uma seriedade na busca do que queremos. Dentro de toda a minha organização ou desorganização, sei o que quero e corro atrás. Só o nível de obsessão que é bem diferente (risos) — observa Du.
Questões de família
Enquanto navegava distante dos folhetins, Moscovis ultrapassou os 40 anos, viu o Flamengo, do qual é torcedor fervoroso, vencer o Brasileirão, perdeu o pai, ganhou cabelos brancos e dois novos portos seguros: Manuela, de 8, e Rodrigo, de 3, do relacionamento com Cynthia, passaram a fazer companhia a Gabriela e Sofia, de 16 e 14 respectivamente, filhas da diretora Roberta Richard (eles dividem a guarda das adolescentes). “Sou pai de quatro, isso não vai mudar mais”, garante o ator, que mantém as feições de galã. Ao ser escalado para “A regra do jogo”, decidiu interromper outras atividades profissionais para não perder momentos preciosos com a mulher e os filhos. A peça “Um bonde chamado desejo”, em São Paulo, deve voltar ano que vem, assim como a terceira temporada da série “Questão de família”, do GNT.
Du também fala de uma maneira muito aberta, conversa sobre maconha e camisinhaCynthia Howlett
— Ele é preocupado em estar presente, não abre mão de orientar. Podia ter se cansado de participar de reunião pedagógica, mas faz questão de ir nas do Rodrigo. Du também fala de uma maneira muito aberta, conversa sobre maconha e camisinha com Gabriela. Às vezes, acho que ele quer controlar demais, mas foi percebendo que as mais velhas não são crianças — ressalta Cynthia, destacando a estrutura que dispõe, com babá, empregada doméstica e motorista, para auxiliá-los na rotina familiar.
Quando “Alma gêmea” terminou, em março de 2006, o ator não renovou o contrato com a Globo a fim de conter uma engrenagem, praticamente ininterrupta desde “Pedra sobre pedra” (1992), sua primeira novela, recentemente reprisada no Canal Viva. “Queria experimentar mais”, argumenta. Ao se voltar para esse recente intervalo, Moscovis sente dificuldade em verbalizar o quanto mudou, embora sinta, claro, não ser o mesmo de antes. “Sou assim, não sei onde quero estar daqui a cinco anos”, explica. Aos olhos da mulher, esse tempo que não para e, no entanto, nunca envelhece ajudou a torná-lo mais seguro de si.
— Du amadureceu. Não só aprendeu a selecionar, a dizer não, como me ensina a ser assim. E cresceu como ator, melhorou como pai. Houve um amadurecimento até mesmo como marido — reconhece ela, que não dá importância a um possível aumento do interesse feminino com a retomada das novelas: — Quando a gente começou a se envolver, pensei: “Que roubada! É ator, recém-separado, com duas filhas pequenas” (risos). Desde o início, sabia que haveria assédio. Mas ele sempre teve uma postura muito correta, nunca provocou nada, o que sempre me deu segurança.
O ator, recorda a nutricionista, é resistente às redes socais e, apenas há pouco tempo, rendeu-se à praticidade do cartão de crédito. “É coisa de família”, acredita Sevasti Moscovis Andrade, mãe do Petruchio de “O cravo e a rosa” (2000), que, mesmo instigada pelo filho caçula, não aderiu ao pagamento eletrônico. A matriarca lembra que ele era um “jovem ajuizado”, ligado aos pais, sempre envolvido com esporte e muito ativo, um líder de turma no Santo Inácio, colégio onde estudou.
Vi Du sentado na cama rezando. Voltei, e ele continuava, até que perguntei: “Não acabou?”. E ele: “Estou rezando para a semana toda para adiantar”Sevasti Moscovis
— A gente sempre teve o hábito de rezar antes de dormir. Quando Du foi ficando mais velho, lá pelos 8, 9 anos, comecei a deixá-lo na cama e ia fazer qualquer outra coisa. Um dia, passei pelo corredor e o vi sentado na cama rezando. Voltei, e ele continuava, e assim foram algumas vezes, até que perguntei: “Não acabou?”. E ele disse: “Estou rezando para a semana toda para adiantar” (risos). Ele sempre foi muito dinâmico, queria estar em dia com as responsabilidades — conta Sevasti.
Foi Wernor de Andrade — o pai do ator, morto ano passado devido a um infarto — quem percebeu primeiro que o jovem ágil, apaixonado por esportes, havia descoberto, enfim, um ofício para chamar de seu.
— Meu pai me viu chegar da praia no começo da tarde, com a prancha de surfe. Era 12h30m e estava um sol lindo lá fora. “Já voltou?”. Eu falei que tinha ensaio, e ele estranhou, percebeu uma coisa. Disse que soube que eu seria ator naquele dia. Isso também me deu um "start" em relação ao que eu queria para mim — rememora ele.
Um novo filho
O clima na casa dos Moscovis, perfumado por essências femininas, mudou com a chegada de Rodrigo. “Du é louco por ele”, sintetiza Cynthia. Depois de acompanhar infinitas apresentações de ginástica, balé e piano de suas três meninas, o ator tem a chance de ver o pequeno em aulas de jiu-jítsu e de futebol.
— Você percebe nas meninas, desde o berço, a maneira como se comportam, jogam com o charme ou com a timidez, a forma como somos seduzidos por elas. O menino tem uma vibração diferente. Está sendo bacana fazer o resgate dessa minha identificação. Olho para Rodrigo e ele me joga para 40 anos atrás. É diretamente nostálgico — sustenta Moscovis, lembrando que o garoto é paparicado por todas as irmãs.
Vou à praia do Leblon e três minutos depois já tem alguém fotografando. Minha reação é de esforço para me manter educadoEduardo Moscovis
Ainda que ame a profissão, é possível notar o desgosto do ator quando o ofício acaba por torná-lo alvo dos paparazzi. Em 2007, um fotógrafo abordou moradores do prédio vizinho ao dele na tentativa de registrar o quarto de sua filha, ainda na barriga da mãe. O fato, obviamente, o deixou enfurecido. Hoje em dia, ele admite: organiza-se para não se irritar com os cliques ou deixa de frequentar lugares onde pode se indispor.
— Vou à praia do Leblon e três minutos depois já tem alguém fotografando. Minha reação é de esforço para me manter educado, e estrago meu lazer porque estou me esforçando para estar à vontade. É impossível ficar confortável com um cara me fotografando com meus filhos. Deveria haver uma proteção, assim como quando um menor, que mata duas, três vezes, sai com o rosto desfigurado no jornal. Por que ele pode ser protegido e meu filho não? — questiona.
A preocupação com os rebentos se estende àqueles que só curtiram a paternidade improvisada na ficção. Thadeu Matos, seu problemático filho em “Senhora do destino”, lembra que, orientado por Moscovis, procurou o saudoso Luiz Carlos Tourinho para se aprofundar na formação de intérprete. Conselho que ele não esquece. Um dos destaques de “Babilônia”, Luisa Arraes se recorda com carinho do tempo que dividia com o colega cenas em “Louco por elas” (série de 2012).
Du foi um encontro que ficou. Toda vez que a gente se vê é um momento cheio de saudadeLuisa Arraes
— Du foi um encontro que ficou. Toda vez que a gente se vê é um momento cheio de saudade. A gente se divertia e era bem grudado. Adoro a família toda e a gente vive tentando conciliar agendas para se ver. Não perco nada dele. Fiquei feliz ao saber que estaria na próxima novela, lindo e talentoso — afirma a atriz.
Fora dos estúdios e das telas, o ator gosta das pequenas surpresas. Assim, por vezes aparece com um vestido ou um livro que Cynthia havia elogiado dias atrás. Manuela, a menina caçula de expressivos olhos azuis, conhece bem esse ímpeto e, já no colo do pai, dribla a vergonha para lembrar do presente que mais gostou de ganhar. A princípio, Du disse que não poderia comprar o cobiçado skate que ela vira numa loja de São Paulo, mas, tempos depois, apareceu com o mimo, provocando uma alegria incontestável.
— Ele disse que eu merecia porque estava indo bem na escola — conta a pequena, logo montada na lambreta do pai, agora só dela.
As regras de Eduardo Moscovis
Na novela, Orlando quebra inúmeras regras sociais, mas sempre em comunhão com a facção criminosa em que trabalha. Fora dela, o ator se deixa guiar por valores simples e, justamente por isso, nem sempre tão comuns. “Eu tento ser sincero e fiel ao que eu acredito. Essa é a minha primeira regra”, pontua ele.
Tento ser sincero e fiel ao que acredito. Essa é a minha primeira regraEduardo Moscovis
Como pai vocacionado e admirado pela cria, a relação com os filhos ganha relevo nas suas ações: “A cumplicidade é outra regra fundamental. Acredito que estudar com eles é legal. Acho bacana Manu me mostrar a música que ela tirou no violão. O importante é ter um jogo aberto com eles”, conclui. Na vida amorosa, ele frisa, as regras precisam sempre ser estabelecidos pelo casal: “Depende dos dois, o que pode e o que não pode, o que incomoda. Essas normas são descobertas ao longo do jogo. O que faz a diferença é a presença e a atenção”.
Inspiração para Orlando
A facção criminosa em “A regra do jogo” remete aos filmes de gângster, entre os quais a trilogia “O poderoso chefão” se destaca. A icônica foto de Al Pacino (à esquerda), já como chefe dos Corleone no segundo longa, foi inspiração para a capa da Canal Extra. Moscovis, no entanto, teve o protagonista de “Shame” (2011) como referência para Orlando. “No filme, ele é asséptico, sozinho, com dificuldade de relacionamento. Mas, de fora, você pode se encantar. Ele não aparenta ser um psicopata de cara. A imagem contradiz com esse turbilhão que ele pode vir a ser".
Agradecimentos: Villa Riso e Só a Rigor
fonte: http://extra.globo.com